ATA DA TRIGÉSIMA NONA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA TERCEIRA LEGISLATURA, EM 16-10-2001.

 


Aos dezesseis dias do mês de outubro do ano dois mil e um, reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezessete horas e trinta e um minutos, constatada a existência de quórum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Senhor Arnaldo Nicola Ferrari, nos termos do Projeto de Lei do Legislativo nº 111/01 (Processo nº 1836/01), de autoria do Vereador Pedro Américo Leal. Compuseram a MESA: o Vereador Fernando Záchia, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; o Senhor Alberto Cabassi, Cônsul-Geral da Itália; o Senhor Arnaldo Nicola Ferrari, Homenageado; o Vereador Pedro Américo Leal, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem o Hino Nacional e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Pedro Américo Leal, em nome das Bancadas do PPB, PPS, PTB, PMDB, PSB, PL e PT, historiou a vida do Senhor Arnaldo Nicola Ferrari, desde a chegada de Sua Senhoria ao Brasil, vindo da Itália aos sete anos de idade, até hoje, como médico especialista nas causas de infertilidade humana. Nessa trajetória, ressaltou como obras importantes do Homenageado os estudos feitos no exterior, os diversos trabalhos publicados e a criação da Fundação Universitária de Endocrinologia e Fertilidade. O Vereador Cláudio Sebenelo, em nome da Bancada do PSDB, cumprimentou a iniciativa do Vereador Pedro Américo Leal em propor a presente Sessão Solene e discursou sobre o antagonismo existente entre o crescimento desordenado da população mundial e a evolução da Medicina na área da reprodução humana. Nesse sentido, destacou o sucesso profissional alcançado pelo Senhor Arnaldo Nicola Ferrari na ajuda a casais que buscam soluções para os problemas de infertilidade. O Vereador Humberto Goulart, em nome da Bancada do PDT, lembrando a convivência que teve com o Senhor Arnaldo Nicola Ferrari por ocasião de estágio que Sua Excelência fez na Fundação Universitária de Endocrinologia e Fertilidade, enfatizou a contribuição dada pelo Homenageado, como médico, professor e pesquisador, em prol da reprodução humana, especialmente no campo da fertilização “in vitro”. Na ocasião, o Senhor Presidente convidou o Vereador Pedro Américo Leal a proceder à entrega do Diploma e da Medalha referentes ao Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Senhor Arnaldo Nicola Ferrari, concedendo a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Título recebido. Também, o Senhor Presidente convidou os familiares do Senhor Arnaldo Nicola Ferrari a procederem à entrega, a Sua Senhoria, de placa alusiva à presente homenagem. Em continuidade, o Coral Meninos Cantores do Pão dos Pobres, sob a regência do Maestro Otto Follmann, procedeu à apresentação de números musicais. Às dezoito horas e quarenta minutos, nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e declarou encerrados os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Fernando Záchia e secretariados pelo Vereador Pedro Américo Leal, como Secretário "ad hoc". Do que eu, Pedro Américo Leal, Secretário "ad hoc", determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pela Senhora 1ª Secretária e pelo Senhor Presidente.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Fernando Záchia): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a homenagear o Dr. Arnaldo Nicola Ferrari.

Convidamos para compor a Mesa o Dr. Arnaldo Nicola Ferrari; o Sr. Ministro Alberto Cabassi, Cônsul-Geral da Itália.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

Esta Presidência quer cumprimentar o Ver. Pedro Américo Leal pela iniciativa de propor a concessão do Título Honorífico de Cidadão de Porto Alegre ao Dr. Arnaldo Nicola Ferrari, pela sua representatividade; trata-se de um cidadão que nasceu na Itália e que escolheu esta terra para aqui viver e desenvolver a sua atividade profissional, que tanto tem orgulhado e honrado Porto Alegre. Esta Casa, de maneira unânime, votou favoravelmente à proposição do Ver. Pedro Américo Leal.

O Ver. Pedro Américo Leal está com a palavra e falará em nome das Bancadas do PPB, PPS, PTB, PMDB, PSB, PL e PT.

 

O SR. PEDRO AMÉRICO LEAL: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Vivemos nossa mocidade, eu e Arnaldo Nicola Ferrari, lá pela década de 40, em caminhos paralelos: eu, no campo militar, na Escola Preparatória de Porto Alegre - permita que me torne íntimo na saudação protocolar desta Casa -, e Ferrari estudando medicina na UFRGS. Moço pobre, chegou a Porto Alegre, vindo da Itália, com 7 anos. Encontrou aqui, no Rosário, no Irmão José Otão, o seu orientador. Coincidentemente eu fui aluno, em Psicologia, do Irmão Otão, que me deu grande contribuição. Uma grande figura! Nas festas, nas ruas e à distância, sempre nos avistávamos. Mas não nos falávamos. Lembras-te?

Observei a tua titânica luta para ser médico. Faculdade difícil de se ingressar. E isso em pátria alheia é uma façanha! A duras penas cursaste Medicina! Na calada da noite, enveredavas pelas revisões em Anatomia, em Patologia, a fim de compensar as despesas, que não eram poucas. Esses estudos acendiam-te uma luz para a jornada do futuro. No campo do organismo feminino, da fertilidade, farias tuas pesquisas e desenvolverias o campo científico que desenvolveste. Estudar a fertilidade conjugal, explorar, descobrir algo novo! Quanto assunto! Isso sequer era ventilado nos meios médicos do Rio Grande do Sul. Vivíamos a década de 50. É preciso que nos situemos no tempo: cinqüenta anos atrás.

A tua tese de doutoramento não teve sequer um orientador, porque escolheste um assunto um tanto desconhecido no meio médico da época: a fertilidade. Quatro plantões semanais durante o tempo de estudante deu-te fibra, perseverança para a luta para a qual te programaras. O sonho era enveredar por este universo desconhecido: a mulher e a sua capacidade de engravidar, as conseqüências disso. Perguntas sem respostas, principalmente naquela época. Até agora as coisas não foram decifradas completamente.

Como um D. Quixote, na Medicina, teimavas em saber como se comportavam os hormônios femininos, mas não encontravas, a tua volta, orientadores, tampouco fontes de consulta. Como manejar os hormônios? Era a tua pergunta. Mas essa pergunta ficava por isso mesmo. Diante do vazio, arrumaste as malas e foste para a Europa, não sei como! Não tenho informações mais precisas. E lá, na Europa, em busca das respostas e do saber, na França, o moço pobre, o médico pobre levantou e enfrentou, assim como personagem de Cervantes, os seus moinhos.

Em Paris, no Hospital Broca, abeberou-se dos ensinamentos em fertilidade do célebre Prof. Raoul Palmer - não sei se eu pronuncio certo -, seus cursos deram-lhe uma visão avançada do que ocorria na área médica da Europa, muito mais avançada do que o Brasil; agora, em Medicina, não tanto. Cursou a Escola de Altos Estudos do Prof. René Maricard.

Daí foi para a Inglaterra - também não sei como fizeste isso -, onde, por mais de ano, freqüentou cursos e se preparou para trazer ensinamentos ao Brasil. Freqüentaste o Curso de Ginecologia e Obstetrícia de Londres.

Vivíamos a década do final de 50. Voltou o Dr. Ferrari ao Brasil, maduro, muito mais maduro do que foi, com muitos ensinamentos, mais sério, talvez, mais compenetrado, suponho eu, e o silêncio de quem salta, de repente, de volta ao Brasil, vindo de um grande centro europeu.

Esse silêncio desconfiado, indiferente de quem é recebido, de quem desembarca com bagagem intelectual, rica, num ambiente pobre, como era o Rio Grande daquela época, podemos imaginar.

Não temos informações, só o Dr. Ferrari poderá fornecê-las para nós.

Como dizer aos outros o que ele sabia? O que aprendera, sem ser petulante? Isso na área médica é muito sério.

Encontrou, na época, a boa-vontade e a abertura de um homem que conheci, o Professor, Dr. Fradique Correa Gomes, grande incentivador para que tentasse a cátedra de clínica ginecológica na UFRGS. Não era esta a sua trilha escolhida, em silêncio há tanto tempo, como sonho de estudante? Era. E organiza o Setor de Endocrinologia e Fertilidade da Santa Casa de Misericórdia. Coisa inédita, mas era um passo, não havia nada neste campo de atividade médica. Realiza a primeira endoscopia ginecológica do Rio Grande, abraça a campanha do planejamento familiar, tão importante até hoje para um Brasil, onde doze milhões de lares são conduzidos por mulheres.

Eu debato isso, debato quanto a isso desta tribuna. Enfrenta multinacionais e cria, em 1967, muito audacioso era a Fundação da Fertilidade. O personagem de Cervantes alcança as suas primeiras vitórias. Surge a conhecida FUEFE, que ostenta, a partir do dia 2 deste mês, deste ano, o selo da UNESCO para o Projeto de Futuro Comum. Tenho até aqui: “Ganhou o selo da UNESCO para o Projeto de Futuro Comum. Chegou ontem, em certidão de registro e entidades civis para a habilitação ao recebimento de auxílio do Estado, Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social. Assinado em 28/09/01”. A mais recente vitória!

Na verdade, foi o seu segundo amor, a FUEFE. O primeiro eu conheci, não está aqui presente nesta homenagem, em corpo, mas está em espírito, sinto ela. Tem, agora, a FUEFE, o amparo da Fundação Ford. Conseguiu o amparo da Fundação Ford, um padrinho rico. Realiza no Rio Grande do Sul o primeiro teste de gravidez, levanta resultados no mesmo dia e fornece resultados no mesmo dia, na época! Não agora! Cria o teste para ovulação chamado, aqui e lá fora, Teste Ferrari. É uma conquista. Organiza o primeiro laboratório de fertilização in vitro que se tem notícia no Brasil. Reúne biólogos e os envia ao exterior, orienta o curso de mestrado e doutorado em Reprodução Humana. Mais de cem médicos são titulados. “Pinta os canecos” em Medicina, esse homem, que muita gente no Rio Grande não conhece.

Nas minhas andanças de militar e de político acompanhei o moço pobre e estrangeiro com atenção. Éramos ambos pobres, e não havíamos nascido no Rio Grande do Sul. Lutávamos para nos fazer. Por isso, tínhamos muita coisa em comum. Hoje, com os cabelos grisalhos, e eu sem cabelos, prossegue o Dr. Ferrari desenvolvendo pesquisas no congelamento de gametos, para utilização no futuro. Não sei se, como militar e político, se transmito com fidelidade essa terminologia médica complicada de um universo difícil de se comunicar, mas que salva vidas! Não é o meu falar, não é o meu campo. Com essas experiências do congelamento, torna-se possível, no futuro, salvar vidas. Imaginem os recursos no combate ao câncer infantil e toda a quimioterapia, a parafernália da Medicina de hoje. Cada um faz um pouco, cada médico faz o que pode.

Na sua “mochila” de trabalho, carrega o Ferrari cento e cinqüenta trabalhos e dois livros publicados, dentro e fora do Brasil. No cume do morro da existência, olhando para trás, me animo a dizer, companheiro daquelas épocas, de cinqüenta anos atrás, Dr. Ferrari, não olhe para trás, não pare. Com lágrimas nos olhos, esboça um sorriso amplo e arremete para outros empreendimentos, tenta, como tentaste na mocidade. Ânimo! Participar é viver. Como político afirmo-te: foi grande a tua folha de serviço na área médica. No campo militar, garanto-te foi uma boa luta. Lutaste o bom combate. Completaste a missão. E, como se diz em linguagem da caserna, que sempre gosto de falar, pois foi a minha vida: Prossegue! Valeu a pena! Abre um sorriso, Dr. Ferrari, de mocidade, e proclame aos brados: “Não vivi em vão, cumpri a missão a que me destinei!” Por que parar? Um abraço. Muito obrigado.

 

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Fernando Záchia): O Ver. Cláudio Sebenelo está com a palavra pela Bancada do PSDB.

 

O SR. CLÁUDIO SEBENELO: Cumprimento o Ver. Pedro Américo Leal pela iniciativa da felicidade dos reencontros. Perdão por não citar a todos, vou citar meu querido amigo Prof. Carlos Malmann, que me faz lembrar o Dr. Jaime, o Dr. Jorge, queridos amigos. Meu colega de turma e irmão Valdemar Rivoire, um vulto da nossa ginecologia e obstetrícia, Dr. Antônio Olavo dos Santos lá do nosso sofrido Inter. Il.mo Sr. Fernando Záchia, Presidente da Câmara Municipal de Porto alegre; Ex.mo Sr. Cônsul-Geral da Itália, Ministro Alberto Cabassi; Srs. Vereadores, senhores representantes de entidades de classe e demais autoridades presentes.

Caríssimo Prof. Ferrari, eu pensava no quanto é difícil falar para um médico do seu porte, mas logo depois mudei meu pensamento, ou seja, como é fácil falar com um médico do seu porte. Nessa conversa estabelecem-se vias de conhecimento, de troca intensa de criação, descobertas de saber exuberante de quem trabalha com toda a grandeza do ser humano, de quem trabalha também com toda a miséria do ser humano. Há uma distância imensa na diferenciação conferida por um conhecimento multifacetado, por uma vida de acúmulos de conhecimento e de informação, de uma formação extremamente sólida, mas há também a facilidade que só os sábios têm de aceitação do outro, da permissão de repartir com os seus a riqueza de um interior compreensivo avaliável apenas na unidade de medida em que só alguns professores, alguns pesquisadores, alguns médicos e todos os nossos pacientes estão acostumados à grandeza humana. De tratar de um dos paradoxos mais desafiadores da nossa época, pois já estamos em pleno futuro, sem solução e domínio da nossa reprodução, seja no pólo da fertilidade, seja no da infertilidade. Somos gente demais neste planetinha. Seja no da infertilidade, frustração maior dos que não vêem reproduzidos, por outro lado, no espelho da espécie, suas imagens e semelhanças, a sua própria essência, e o homem faz parte desse meio ambiente, mesmo que esteja sempre a predá-lo, integra-o e é também a sua substância. Mas já somos mais de seis bilhões e, logo ali, ultrapassaremos todos os limites, na progressão logarítmica a que nos submetemos. E os problemas dele decorrentes, sociais, de sustentação, arquitetônicos, de distribuição no espaço, do sustento agrícola, do saneamento básico, da formação de aglomerados, de cidades, de Estados, de países, da inevitável concentração de renda, das desigualdades, das inconformidades dos pequenos frente aos monarcas, das relações de poder, formam uma rotina de um dia a dia que se esvai mas que, permanentemente, se retroalimenta.

É nesse contexto, professor, que nos enriquecemos. Na compreensão da gênese da espécie hominis, desde a idade do fogo, do imenso resgate do neolítico, da marca escrava das antigüidades, da escuridão medieval, das primeiras luzes do renascimento, do belicismo permanente, mas muito mais intenso do contemporâneo, desta loucura regressiva, fóbica e apocalíptica. Por que então reproduzir? Mas é também neste contexto que experimentamos a felicidade, sentimento apenas de um tipo de hominídeo, desde seu paradisíaco surgimento, das maravilhas da lenta adaptação ao neolítico, das potências mesopotâmicas, egípcias, romanas, da fertilidade da terra, e, nesse momento, terra é homem e homem é terra, da modernidade das máquinas em permanente substituição às pequenas forças dos indivíduos, às revoluções, gerando ciclos de progresso e desenvolvimento, as descobertas, até a vertiginosa tecnologia da fibra ótica, da informática, da robótica, da astronáutica, das inseminações, das laqueaduras éticas, das vasectomias, de novas formas de crescimento da fêmea, de sua inserção na sociedade como valor equiparado ao macho, mas meu Deus, são tantas as perguntas, meu Deus, são tão poucas as respostas.

Frente a estes desafios, nos sentimos em microscópica pequenez. Por que não reproduzir? É porque existem mágicos feitos na dureza do trabalho, na busca dos cernes, das essências das verdades, que com o tempo sempre passaram a responder, da análise à síntese, dos princípios termodinâmicos às existências quânticas, da similaridade entre o macro e o microcosmo, (aí talvez residindo o maior reduto de argumentos favoráveis à presença de Deus.) E outros deuses que sem sê-lo, nos respondem a enigmas, resolvem nossos problemas existenciais e reorganizam um pouco nossas cabeças e mentes desta terra.

Às vezes, um desses terráqueos pousam perto de nós, vem de muito longe, faz seu ninho milagrosamente ao nosso lado, mantendo a crença nesse “bicho” homem - e já encerro, Sr. Presidente -, que compete, que polui, que destrói, mas ao mesmo tempo canta poemas, alivia dores, e transforma, não só a energia, mas são sede de todas as nossas outras transformações.

Eles podem ser vistos nas ruas das cidades, perambulando por atalhos da sabedoria, nas universidades da vida, promovendo, vivendo, trazendo aos caminhos muito mais flores do que espinhos, muito mais relva do que pedras.

É por isso que nossa Cidade está em festa. Representamos milhares de pessoas, Professor, gerações que aqui não se encontram, mas no canto de um sorriso não disfarçam a marcação de um laivo de felicidade pelo momento fantástico de sua escolha por Porto Alegre, berço de uma parte de sua vida, aconchego geográfico do grande mestre e sua obra. Pedimos desculpas às outras cidades do mundo, mas aqui pousou, para nosso encanto, o Prof. Arnaldo Nicola Ferrari. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Fernando Záchia): O Ver. Humberto Goulart está com a palavra pela Bancada do PDT.

 

O SR. HUMBERTO GOULART: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Por este momento singular parabenizo o nobre Vereador, também aqui neste Plenário, meu Professor, Cel. Pedro Américo Leal. Falo em nome da Bancada do PDT: Ver. Ervino Besson, Ver. Isaac Ainhorn, Ver. Nereu D’Avila e Ver. João Bosco Vaz.

Eu, senhores e senhoras, demais Vereadores, tive o privilégio de conviver com o Prof. Doutor Arnaldo Ferrari. Muito pouco, é verdade, muito menos do que um verdadeiro médico aprendiz precisava, um tempo pequeno, mas o suficiente para me fazer um admirador do nosso Professor. Quantas vezes, anos a fio, telefonei para me orientar, frente à decisão clínica que me demorava, no mundo dos hormônios, no encaminhamento da infertilidade dos casais esperançosos que me procuravam. Mas no estágio que fiz na Fundação Universitária de Endocrinologia e Fertilidade, antes ali na Av. Independência e depois na Alcides Cruz - famosa FUEFE da Alcides Cruz, 101 -, templo do aprendizado sobre as parelhas inférteis, dos distúrbios hormonais e do encaminhamento do climatério das mulheres, que hoje em maior número atingem essa condição. Templo do planejamento familiar e do uso adequado do dispositivo intra-uterino.

Mas não é só o professor exemplar e o clínico esperto que nos fascinam, é a condição de cientista, professor, de pesquisador, de homem de insatisfação frente aos porquês da natureza, verdadeiramente o raciocínio fácil de um homem muito inteligente; eu disse: um pesquisador, um cientista. Mestre que me fez imaginar a função feminina como um delicado computador líquido que funciona maravilhosamente à base de limiares, de líquidos que correm pelo seu sangue e que cada quantidade de hormônio pode significar uma quantidade e uma situação singular, até mesmo uma situação oposta. É universal o Teste Cromático de Ferrari no Panteon dos estudos mundiais sobra a ovulação - é sua contribuição sobre os seus famosos estudos com muco cervical.

Obrigado, querido mestre, por me iniciar na lógica clínica do seu pensamento justo, adequado e, para falar a língua dos meus filhos, pensamento “demais”.

Professor Ferrari, colega de Palmer e de Moricard; Prof. Ferrari, o mestre da fertilização in vitro entre nós, dos primeiros bebês de proveta entre nós; Prof. Ferrari, muito grato em nome da legião de ginecologistas que formou, um agradecimento especial deste seu aluno, que agora, com um mandato designado pelo povo de nossa Cidade faz esse agradecimento especial por ter me ajudado a chegar aqui, por ter me iniciado na arte de pensar, e aqui Professor, a minha promessa de igual ao senhor, levar a Medicina aos mais pobres, à mulher do povo como o senhor tem feito na Fundação, o alcance dessa Medicina que pode curar, que pode aliviar, mas se nada disso acontecer, que pode acarinhar, Professor.

Trago o abraço do nosso último Vereador incorporado na Bancada, o Ver. José Fortunati, e digo continue ensinando gente, cuidando de gente, ensinando médico, cuidando de seus alunos, Professor. Avante Professor Arnaldo Nicola Ferrari! Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Fernando Záchia): O Ver. Pedro Américo Leal fará a entrega do Título de Cidadão Honorífico ao Sr. Arnaldo Nicola Ferrari.

 

(Procede-se à entrega do Título.)

 

Neste momento, também, as filhas e os netos do nosso homenageado far-lhe-ão a entrega de uma placa alusiva à presente homenagem.

 

(Procede-se à entrega da Placa ao homenageado.)

O Sr. Arnaldo Nicola Ferrari está com a palavra.

 

O SR. ARNALDO NICOLA FERRARI: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Desejo, neste momento, voltar meu pensamento a três pessoas que talvez estivessem mais felizes do que eu e aqui não se encontram.

Meus agradecimentos à Cidade que me acolheu e me homenageou, na pessoa do Coronel, Professor, Deputado e Vereador Pedro Américo Leal. É uma figura de todos conhecida e que de todos também é conhecida a sua posição, pela firmeza de suas idéias; é um homem polêmico e isso mais nos aproxima, porque eu também sou. É daqueles que quebra, mas não dobra. Penso que não tem inimigos; ele deve ter antagonistas ou adversários. Correto, sempre o admirei. Seria numa posição que nós pudéssemos compará-lo àquele cavaleiro francês, Bayard, le chevalier Sans Peur et Sans Reproche.

Se puder me dar um pouco, eu vou falar aquilo que muita gente gosta, que é falar de mim mesmo. Não é sempre que temos essa oportunidade. A minha ligação com Porto Alegre se inicia no começo deste século, quando meu pai veio acompanhando o seu pai, que era meu avô e assim seguiu aquela trajetória daquele movimento social intenso da Europa para cá. Socialmente falando, a Europa resolveu a sua explosão demográfica pelo envio de oitenta milhões de habitantes em direção à América. Foi a solução que tiveram para aquele início, em que a medicina já começava a efetuar a sua prevenção, a mortalidade infantil baixou, e a população começou a crescer demais. Então, eles vieram para cá.

Em termos de Brasil, a nossa imigração começou no início do século retrasado, com D. Pedro I, através da sua esposa, e D. Pedro II. E aqui no Rio Grande do Sul, quem teve uma grande influência na imigração foi Garibaldi, especialmente junto à população italiana, em dirigir os italianos, especialmente em direção do Rio Grande do Sul.

A minha visão de Porto Alegre foi uma visão aos sete anos. Recordo-me muito bem que vínhamos de navio, o meu pai havia vindo nos encontrar no porto, já que ele, quando emigrara, eu estava apenas com quatro meses. Eu não conhecia meu pai, vim conhecê-lo no porto de Rio Grande, e a emoção foi, sem dúvida nenhuma, grande. Passamos uma noite inteira, praticamente, conversando, e o navio que nos trazia vinha de manhã. Recordo-me que havia uma bruma, uma neblina que envolvia Porto Alegre, era um dia de muito sol, era no inverno, porém não estava frio e Porto Alegre verdadeiramente era radiosa, e a primeira coisa de que me lembro são as torres da Igreja N. Sr.ª das Dores.

Ginásio, em seguida colégio, universidade. Um detalhe interessante ocorreu no vestibular para a Faculdade de Medicina, com a emoção enorme da minha mãe, quando soube que eu tinha passado, pela primeira vez, num vestibular para uma faculdade que era muito requisitada. Havia um amigo meu que viu que a minha mãe se emocionou muito e desmaiou. No dia seguinte ele passara em outro vestibular para outra faculdade, e a mãe dele não desmaiou. Aí, ele ficou muito sentido com ela, porque ela não tinha desmaiado como a minha mãe.

Iniciou-se uma etapa interessante da minha vida dentro da universidade, porque eu sentia que tínhamos uma limitação em tudo nesta Cidade, a Santa Casa não era a Santa Casa de hoje, era uma Santa Casa modesta, cheia de cupins. Aqueles que são da minha época lembram-se muito bem das dificuldades que tínhamos. Então, dentro do meu curso, eu sentia que alguma coisa a mais eu tinha que fazer. Era o meu lado de nostalgia de uma Europa que desejava conhecer. Entretanto, como disse o Ver. Pedro Américo Leal, alguém tinha que pagar esses custos, e por isso é que fui ao interior, para ver se conseguia pagar a minha viagem para o exterior, coisa que consegui.

Da minha estada no interior há algumas recordações lindas, boas, mas, ao mesmo tempo, de uma medicina rural, como por exemplo, quando eu entrei dentro de uma casa, no Município de Lagoa Vermelha, num lugarejo chamado Barracão. Eu tinha sido chamado para fazer um parto; entrei naquela casa completamente às escuras. Fiquei cego, porque a claridade de fora e a escuridão dentro não me deixavam enxergar nada, e comecei a apalpar e apalpei uma cabeça deitada numa cama. Então perguntei se ela era a parturiente: “é a senhora que está esperando nenê?” Não, disse ela. - “Eu sou a parteira”. A parteira dormia com a própria parturiente.

Outra lembrança interessante foi o medo que eu tinha em aplicar o fórceps, que é uma colher que a gente põe na cabeça da criança e a puxa dessa forma. Era uma coisa extremamente difícil, e que a gente não sabia. O meu grande receio, meu grande pavor era entrar dentro de um lugar no interior sem ter ninguém do meu lado para ajudar. Eu ia me escapando até um determinado momento em que me chamaram e eu vi que a paciente já estava há mais de doze horas num parto bem difícil e não me restaram recursos, senão trazê-la para o hospital. Naquele momento nós vínhamos por estradas extremamente difíceis, cheia de barro, cheia de buracos, cheia de pedras, a gestante gemendo e o jipe pulando. Entretanto, quando chegamos ao hospital o jipe fez a função: a criança nasceu devido à buraqueira.

Daquelas lembranças do interior, uma das coisas que a Medicina me deixou ver, que foi o caminho através da medicina, foi descobrir o nosso homem, o vêneto, que é o imigrante, que esteve naquela zona e que a desbravou, e através desse relato talvez possa entender o mecanismo pelo qual essas pessoas criaram um ambiente realmente de progresso, de muito orgulho, inclusive para nós e para a mãe Pátria.

Eu recém tinha acabado de operar alguém, uma menina, casada, e quando esteve no pós-operatório, disse que ela iria embora na segunda-feira. O marido interrompeu rapidamente: “Não doutor, ela vai domingo.” E respondi: “Mas por que domingo? Não, ela vai na segunda-feira.” – nós, naquele tempo, deixávamos a paciente um pouco mais. Depois de diversos impasses, eu perguntei: “Mas por que no domingo?” E ele disse: “Porque nesse dia - naquela pronúncia típica - o meu pai vem para a missa com a camioneta e assim ele não me cobra passagem.” Esse, talvez, seja o segredo por que esses colonos fizeram fortuna e que, realmente, fizeram progresso em uma zona tão linda como é a nossa região da colonização italiana.

A minha volta, então, foi de uma profunda reflexão. Eu estive em Paris, Londres, onde levei uma vida realmente fantástica e o aprendizado foi enorme e, por isso, nós tínhamos uma diferença cultural muito grande. Vivi em Paris, quando no regresso, à época dos anos dourados de Paris, que foi, realmente, um encanto. Por acaso, encontramos, durante dois meses, grupos de brasileiros, que tinham acabado de estudar de diversos lugares, e as palestras que nós tínhamos, que duravam horas e horas, foram, realmente, um encanto. E eu tive a felicidade este ano, passando por lá com a minha neta, de mostrar a ela o local onde conversávamos com aqueles jovens, no qual Cole Porter tinha acabado de fazer a música Eu Amo Paris. Houve essa coincidência fantástica que essa música nos envolveu durante todo aquele tempo.

Houve a volta e, sem dúvida nenhuma, voltou-nos a realidade. Foi, então, a época da pesquisa, de nos entrosarmos e, nesse momento, é que descobrimos a medicina da reprodução. Descrevemos sintomas, descrevemos uma série de síndromes que eram pouco estudados e que nós tivemos a felicidade de escrevê-los, sejam alguns em caráter local e outros em caráter nacional, que eram, ainda, entidades muito pouco conhecidas. Nessa época, estudamos uma droga e tivemos a felicidade de descrevê-la, por meio de seus efeitos colaterais, e essa é uma droga que até hoje persiste, induzia à ovulação. Em função disso, nós tivemos um convite para ir aos Estados Unidos, onde, em Detroit, nós fizemos o nosso pós-doutorado.

Nessa época, se instala no Brasil a campanha de planejamento familiar, que foi uma luta muito grande, porque havia uma grande incompreensão da parte das forças religiosas e também das forças conservadoras. Nós tivemos grande dificuldade para levar isso para a população pobre, que era aquela que sentia. Era uma época em que não tínhamos grande liberdade nesse sentido, mas em que tivemos a satisfação de levar esse tema para dentro da Universidade, porque, em termos de planejamento familiar, o Governo se omitiu totalmente, e, infelizmente a Universidade também. Vejam que eu fui o único professor universitário a assinar o manifesto do planejamento familiar; os demais se omitiram. Era realmente um tema muito polêmico, e muitas pessoas não desejavam se envolver com esse tipo de discussão, já que a medicina tradicional, a medicina clássica era mais simples e, por outro lado, com maior remuneração.

Nós poderíamos levantar, dentro de todo esse contexto, uma pergunta que, depois disso, eu me fazia: por que escolher a esterilidade conjugal e por que nos dirigirmos para esse lado? É porque havia a angústia de saber exatamente até que ponto nós podíamos ir. Neste momento, eu me sinto feliz comigo mesmo, porque, quando nós começamos a estudar esse problema, há tantos anos, o que se podia fazer era muito pouco, e, hoje em dia, o que se pode fazer é bastante.

A Santa Casa desenvolvia uma atividade muito clínica. Também, por outro lado, ela não desenvolvia uma atividade cirúrgica muito científica, na época, dado que os recursos que ela dispunha eram muito poucos. O que nós temos hoje na Santa Casa, realmente é uma coisa extremamente valiosa, a recuperação que esse hospital fez, a nossa formação toda foi dentro desse hospital, que abrangia, naquela época, em torno de um mil e trezentos leitos e que, muitas vezes, nós, encarregados de plantonistas, éramos completamente responsáveis por toda aquela leva de pacientes. Os tempos são outros, felizmente.

Foi nesse momento, então, já na década de 60, que nós entramos na vida universitária e essa vida é uma vida que deve ser entendida e deve ter uma filosofia do que é um professor universitário.

Hoje, estamos vendo greves que estão sendo deflagradas em toda a Universidade, que ela está sofrendo de uma forma muito intensa. Atualmente, os professores estão servindo de massa de manobras, porque o que vemos, atualmente, é que realmente o fundo que estamos vendo nos dias de hoje, é que é muito mais político do que na realidade aquilo que deveria ser.

O professor universitário deve ser, dentro da minha concepção, e o que não era, um investigador e um agente que passe os seus conhecimentos. Um professor universitário que não investiga não tem exatamente a função a que ele se deve. A investigação deve correr paralela com o ensinamento que ele deu aos seus alunos. Uma coisa interessante é o espírito de pesquisa que o professor universitário deve ser possuído, mesmo que a pesquisa seja o mínimo possível e o mínimo de curiosidade científica que ele deve de ser possuído em todos os momentos. As aulas não devem ser repetitivas, já que ele faz pesquisa constante.

Eu posso citar apenas uma coisa interessante que se passou comigo num teste que foi muito conhecido - ainda é atualmente - e que passou a ser conhecido com o meu nome, me deram a honra de me dar o nome que era um teste de ovulação. Ele decorreu por quê? Nós, naquela época, investigávamos os pacientes e retirávamos uma secreção, banhávamos ou não, porém, nós aquecíamos a lâmina, suavemente. Num determinado dia, eu me esqueci dessa lâmina, ela esquentou demais e ficou preta. No outro dia, me esqueci também, de novo, a mesma lâmina, de outra paciente, evidentemente, e ela ficou branca. A investigação do porquê que saiu de branca para preta e de preta para branca, levou ao diagnóstico de que, quando era branca, havia o diagnóstico de ovulação, a mulher estava ovulando quando essa coloração não vinha. Então, desta forma, podemos ter um método simples, um método sem uso de microscópio, porém, ele foi produto de uma percepção um pouco mais clara.

Enfim, não quero mais me estender neste sentido, acho que já foi dito pelo Vereador e amigo, eu vou fazer apenas uma correção, eu não editei cento e cinqüenta livros, publiquei cento e cinqüenta trabalhos. Fiz quatrocentas apresentações em congressos, em jornadas, conferências e duas teses e dois livros. Essa foi a minha produção científica. O meu curso de especialização deu ao redor de cem alunos, que foi a “Especialização de Humano”, que ficaram comigo, além de alunos de mestrado e de doutorado.

A grande realização e, com isso, eu finalizo, a grande realização da minha vida, realmente, foi a criação da Fundação, onde por lá circularam ao redor de quase cem mil pacientes, e também o número de pacientes que por lá passou foi enorme. E creio que deve ter marcado uma coisa importante dentro da medicina reprodutiva, porque lá nós criamos um tipo de conhecimento não feito neste País. Esta é que é a minha grande satisfação, de termos criado uma entidade que serviu de orientação para os nossos alunos que por lá passaram. Recentemente, então, também foi falado, recebemos o selo da UNESCO, que é o grande desafio que vai envolver dois projetos importantes. Um projeto seria a educação como prevenção da gravidez na adolescente, porque pensamos que essa é a grande chave dos bairros pobres.

E o segundo projeto seria a conservação do genoma em crianças que vão ser castradas por câncer infantil. Entendemos que essas gônadas, tanto da menina quanto do menino, podem ser conservados e podem ser congelados para que eles passem a utilizar no futuro, quando forem adultos e quiserem ter a sua reprodução assegurada. Esse é o mais recente desafio que vamos enfrentar. Acredito que a pessoa que não tem mais desafio é uma pessoa que começa a morrer. E, como todos, eu não quero morrer tão cedo, pelo menos. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Fernando Záchia): Queremos registrar a presença dos Vereadores Ervino Besson, Estilac Xavier e Beto Moesch, que participaram, como ouvintes, desta Sessão. A seguir, ouviremos a apresentação do Coral Meninos Cantores do Pão dos Pobres, regido pelo maestro Otto Follmann.

 

(Apresentação do Coral Meninos Cantores do Pão dos Pobres.)

 

Agradecemos a todos pela presença.

 

Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 18h40min.)

 

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